Se o atleta, o treinador, o pai e todos os adeptos falam em jogar, em participar no jogo, porque o transformam logo na palavra ganhar?! Jogar é fantástico. Ganhar é uma consequência do desenrolar do jogo.
Jurgen Klopp elogiou recentemente Portugal pela sua formação. Pelo número de atletas de alto rendimento que estão nas melhores equipas do mundo. No entanto, são um número residual para aqueles que começam na base. E é na base que devemos trabalhar melhor. Não estamos a formar jogadores aos 8, 10 ou 12 anos! O desenvolvimento integral da criança é um dos assuntos mais importantes quando o tema é desporto. Ou seja, abrange a condição física, o potencial técnico, a capacidade ou competência mental e intelectual, entre outras dimensões que integram o crescimento humano.
Por isso, porque o interesse superior da criança deve vir sempre em primeiro lugar, há que mudar atitudes e comportamentos. A nível familiar, a preocupação com o sucesso dos filhos inicia-se cada vez mais cedo, sendo responsável pela criação de expetativas e pressões que deixam pouco espaço para a brincadeira. A cultura parental é de intromissão e busca do sucesso imediato. O resultado é sempre mais importante que o processo. Pois deve ser precisamente o inverso!
A nível dos clubes, as suas estruturas e os seus responsáveis devem instituir um espírito desportivo. No jogo, a vitória e a derrota estão sempre presentes. Mas é importante que sejam relegadas para um plano secundário de modo a promover o prazer de jogar, a saúde, o divertimento e a amizade.
Nós estamos, no mínimo, a formar adeptos. Melhores adeptos. No processo de formação, é indiferente se alguns vão ser jogadores, treinadores, jornalistas, médicos, motoristas, etc. Serão sempre melhores adeptos e profissionais com formação desportiva integral. Esta é a única certeza e é o princípio que nos deve guiar.
“A ELITE DA ELITE: jogadores que têm contrato de profissionais entre os 16 e 20 anos, 67% deles NÃO JOGAM FUTEBOL aos 21 anos”, Arséne Wenger (Chefe global de desenvolvimento de futebol da FIFA, janeiro de 2024).
Não podemos aceitar que os pais retirem os filhos do campo por estes não estarem a jogar a titular (o que quer que isto queira dizer), que agridam treinadores, que falem do que não sabem porque pensam que sabem (os pais resultadistas), que usem e provoquem violência verbal (ou outra) no seu meio. Comportamentos como gritar e utilizar palavrões com árbitros, insultar treinadores e atletas, pressionar os filhos criam um ambiente hostil e conflituoso que influencia o desempenho desportivo e acaba por resultar no abandono da prática da modalidade.
Que filho gosta de ver o pai ou a mãe a fazer figuras tristes? De ser motivo de chacota pelo seu comportamento? É embaraçoso para o filho, que além da vergonha própria ainda se sujeita a ser alvo de troça, nos balneários, pelo comportamento abusivo do seu progenitor.
A proteção dos filhos é um dever dos pais. No desporto como em qualquer outra atividade ou situação da vida. Quando permitimos que os nossos filhos se dediquem a uma atividade tóxica em que a violência, no mínimo verbal, é aceite com normalidade, estamos a contaminar todo o ambiente em que vivem.
A prevenção tem de ser sempre a nossa prioridade. No entanto, a punibilidade torna- se uma ferramenta necessária e urgente na intervenção. A Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) tem trabalho feito, que deve ser ainda mais divulgado. O Secretário de Estado da Juventude e Desporto admitiu, recentemente, que pondera pôr a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) a atuar! Os nossos comportamentos têm de ter consequências. Os clubes têm uma tarefa complicada pela frente pois dependem muito dos pais e sujeitam-se a perder muito por causa deles. Também têm de sensibilizar os seus próprios responsáveis para esta matéria, especialmente os treinadores. É importante instituírem regras e compromissos desde o início e não permitirem desvios comportamentais. Para os pais, porque não criarem “Cartas de Compromisso” que todos os pais têm de assinar antes da inscrição do filho? Ou organizarem sessões de esclarecimento? Ou estabelecerem um sistema de cartões (branco, amarelo e vermelho) para os pais, recompensando ou penalizando os seus comportamentos – e atribuírem prémios no final da época? Em caso de reincidência persistente no abuso comportamental, o clube deve considerar a medida de último recurso de recusar o atleta.
De uma vez por todas, temos de nos convencer de que nenhuma criança de 8 ou 10 anos, nenhum jovem de 14 ou 16 é um futebolista profissional! Pode ser um potencial futebolista. Mas até à última etapa, que é quase sempre a transição do futebol jovem para o sénior, tudo pode acontecer.
Clubes, Pais & Filhos Juntos, É O MELHOR.
Vítor Santos
Embaixador do PNED