Opinião/Editorial

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Opinião: 'Jogar é fantástico', por Vítor Santos

Se o atleta, o treinador, o pai e todos os adeptos falam em jogar, em participar no jogo, porque o transformam logo na palavra ganhar?! Jogar é fantástico. Ganhar é uma consequência do desenrolar do jogo.
Jurgen Klopp elogiou recentemente Portugal pela sua formação. Pelo número de atletas de alto rendimento que estão nas melhores equipas do mundo. No entanto, são um número residual para aqueles que começam na base. E é na base que devemos trabalhar melhor. Não estamos a formar jogadores aos 8, 10 ou 12 anos! O desenvolvimento integral da criança é um dos assuntos mais importantes quando o tema é desporto. Ou seja, abrange a condição física, o potencial técnico, a capacidade ou competência mental e intelectual, entre outras dimensões que integram o crescimento humano.
Por isso, porque o interesse superior da criança deve vir sempre em primeiro lugar, há que mudar atitudes e comportamentos. A nível familiar, a preocupação com o sucesso dos filhos inicia-se cada vez mais cedo, sendo responsável pela criação de expetativas e pressões que deixam pouco espaço para a brincadeira. A cultura parental é de intromissão e busca do sucesso imediato. O resultado é sempre mais importante que o processo. Pois deve ser precisamente o inverso!
A nível dos clubes, as suas estruturas e os seus responsáveis devem instituir um espírito desportivo. No jogo, a vitória e a derrota estão sempre presentes. Mas é importante que sejam relegadas para um plano secundário de modo a promover o prazer de jogar, a saúde, o divertimento e a amizade.
Nós estamos, no mínimo, a formar adeptos. Melhores adeptos. No processo de formação, é indiferente se alguns vão ser jogadores, treinadores, jornalistas, médicos, motoristas, etc. Serão sempre melhores adeptos e profissionais com formação desportiva integral. Esta é a única certeza e é o princípio que nos deve guiar.
“A ELITE DA ELITE: jogadores que têm contrato de profissionais entre os 16 e 20 anos, 67% deles NÃO JOGAM FUTEBOL aos 21 anos”, Arséne Wenger (Chefe global de desenvolvimento de futebol da FIFA, janeiro de 2024).
Não podemos aceitar que os pais retirem os filhos do campo por estes não estarem a jogar a titular (o que quer que isto queira dizer), que agridam treinadores, que falem do que não sabem porque pensam que sabem (os pais resultadistas), que usem e provoquem violência verbal (ou outra) no seu meio. Comportamentos como gritar e utilizar palavrões com árbitros, insultar treinadores e atletas, pressionar os filhos criam um ambiente hostil e conflituoso que influencia o desempenho desportivo e acaba por resultar no abandono da prática da modalidade.
Que filho gosta de ver o pai ou a mãe a fazer figuras tristes? De ser motivo de chacota pelo seu comportamento? É embaraçoso para o filho, que além da vergonha própria ainda se sujeita a ser alvo de troça, nos balneários, pelo comportamento abusivo do seu progenitor.
A proteção dos filhos é um dever dos pais. No desporto como em qualquer outra atividade ou situação da vida. Quando permitimos que os nossos filhos se dediquem a uma atividade tóxica em que a violência, no mínimo verbal, é aceite com normalidade, estamos a contaminar todo o ambiente em que vivem.
A prevenção tem de ser sempre a nossa prioridade. No entanto, a punibilidade torna- se uma ferramenta necessária e urgente na intervenção. A Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) tem trabalho feito, que deve ser ainda mais divulgado. O Secretário de Estado da Juventude e Desporto admitiu, recentemente, que pondera pôr a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) a atuar! Os nossos comportamentos têm de ter consequências. Os clubes têm uma tarefa complicada pela frente pois dependem muito dos pais e sujeitam-se a perder muito por causa deles. Também têm de sensibilizar os seus próprios responsáveis para esta matéria, especialmente os treinadores. É importante instituírem regras e compromissos desde o início e não permitirem desvios comportamentais. Para os pais, porque não criarem “Cartas de Compromisso” que todos os pais têm de assinar antes da inscrição do filho? Ou organizarem sessões de esclarecimento? Ou estabelecerem um sistema de cartões (branco, amarelo e vermelho) para os pais, recompensando ou penalizando os seus comportamentos – e atribuírem prémios no final da época? Em caso de reincidência persistente no abuso comportamental, o clube deve considerar a medida de último recurso de recusar o atleta.
De uma vez por todas, temos de nos convencer de que nenhuma criança de 8 ou 10 anos, nenhum jovem de 14 ou 16 é um futebolista profissional! Pode ser um potencial futebolista. Mas até à última etapa, que é quase sempre a transição do futebol jovem para o sénior, tudo pode acontecer.
Clubes, Pais & Filhos Juntos, É O MELHOR.

Vítor Santos
Embaixador do PNED

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Opinião: 'O futuro é novo: Valorizar as competições locais e nacionais', por Vítor Santos

O futebol vive momentos de enorme mudança com a criação de competições e o aumento do número de jogos. A globalização chegou ao futebol e todos os dias temos jogos e mais jogos na televisão.
As federações nacionais e as associações regionais têm o desafio enorme pela frente de não permitirem que o futebol, na sua verdadeira essência, acabe. A importância das competições domésticas está a diminuir.
Os clubes vão ter de repensar o seu posicionamento. Terão de optar entre serem "apenas" laboratórios para formar atletas ou então polos dinamizadores de atividade social na sua aldeia, vila ou cidade através do futebol.
Portugal é um país estranho e com uma Liga Profissional condicionada por três clubes. Não existe respeito pelo adepto que vai ao estádio com os horários em que se realizam os jogos. Quem gosta de futebol está a abdicar do estádio em detrimento da televisão. Os estádios têm poucos adeptos porque é impossível a um farense deslocar-se a Chaves a uma segunda-feira à
noite! O próprio flaviense tem de se superar para, com o gelo transmontano, ir a uma noite de semana para o estádio!
A convicção que fica é de que, cada vez mais, estas decisões são tomadas em escritórios e não no país real. Que haja clubes sem dinheiro para pagar ordenados, em ligas profissionais, não parece ser um problema para quem gere a atividade. Já é uma tradição que herdámos do século passado. A verdade desportiva está em causa.
Só a ética no desporto de formação pode resolver estes problemas com uma formação integral dos desportistas. Podem não vir a ser jogadores de futebol, mas serão certamente melhores dirigentes, jornalistas, treinadores e, acima de tudo, serão melhores adeptos.
A ética desportiva diz-nos como se devem comportar todos aqueles que estão envolvidos na prática desportiva. A ética desportiva ajuda a prevenir a violência, a corrupção, a dopagem, o racismo, a discriminação e a xenofobia. Também promove a saúde física, o desenvolvimento das competências pessoais, interpessoais, sociais e cívicas, o respeito pelos outros e nós próprios, o respeito pelas regras e pelo bem coletivo, o respeito pela diversidade e a vontade de sermos bons anfitriões. A tudo isto temos de associar a modernidade, a economia local e o contacto social.
As confederações americana e africana precisam de palcos mediáticos e os clubes europeus ambicionam dinheiro. O Mundial de clubes serve estas causa em simultâneo. A Superliga serve os magnatas dos clubes. O futuro do futebol está a ser moldado por forças económicas e, à medida que enfrentamos essas mudanças, é crucial equilibrar os interesses comerciais com a preservação da verdadeira essência do desporto, mantendo-o enraizado nas comunidades que o tornam tão especial. Estas duas vertentes são complementares, mas as competições internas estão em desvantagem e os clubes vão ter de se reinventar e unir.
Para a imprensa local, uma parceria com os clubes de futebol dos campeonatos distritais pode ser uma excelente oportunidade para ambas as partes. O jornalismo desportivo nacional já não atrai leitores e os mais jovens nem querem saber. Se eles e os seus clubes passarem a ser a notícia, o cenário altera-se. Urge valorizar as competições locais.
A refletir.

Vitor Santos (Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto)

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Opinião: 'Ausência de valores no desporto de formação', por Vitor Santos

Em todo o processo formativo dos jovens jogadores, para além dos conteúdos, conhecimento ou comportamento, é fundamental a relação que se estabelece entre o atleta e o treinador.
Na verdade, o treinador necessita de fomentar essa relação e o jovem jogador necessita de acreditar na mensagem do seu treinador.
Todos gostamos de ganhar. Como poderia deixar de ser? Mas as crianças e os jovens gostam de aprender. Aprender a fazer as coisas bem, para serem melhores quando forem grandes.
O processo é de complexidade crescente. Não podemos querer que aos nove anos se proceda como aos 17.
Sabemos que não é fácil dar as mesmas oportunidades a todos. Os dirigentes são exigentes. Esperam vitórias, para ontem, dos treinadores, o que é difícil de conciliar com o desejo de cada um dos atletas, que é entrar e jogar.
É injusto e desigual um desporto que só se afirma na glória de uns (os vencedores) e na desvalorização de outros (os vencidos). Quando os motivos principais que levam os mais jovens a fazerem desporto deveriam ser bem outros: aprender, saber fazer, desenvolver capacidades, saber ser e saber estar. Preparando o amanhã.
Em vez de se encorajar para a vitória, esta é tomada como a condição de tudo o mais. Como o objetivo absoluto. Criam-se as circunstâncias para que seja atingida à custa de outros valores e motivos de participação, que não são estimulados: o esforço, o empenhamento, a alegria e o prazer. Despreza-se a importância de fazer coisas bem feitas, de aprender coisas novas (as habilidades, as técnicas, as formas de entender o jogo e de o jogar), de fazer outros amigos e de ter novos companheiros.
Muitos sentem-se fora deste processo, excluídos. Por uma lógica de desporto que só valoriza a vitória, que faz da competição o centro de tudo, o foco de todo o trabalho, da preparação e que cria conflitos. Gostar de competir, gostar de ganhar tem o seu lugar, mas o desporto não se limita a esta ideia, estes princípios, estes valores. Ou melhor, à ausência deles.
Deixem as crianças e os adolescentes aprenderem a ser adultos, devagar. Deem-lhes espaço, autonomia, tempo e todas as condições que lhes permitam ser, estar, descobrir e experimentar. Jogando. Sem pressas de serem grandes num mundo tornado hostil. Jovens que já não têm tempo. Não repliquem os modelos dos adultos nos treinos e competições de iniciação e formação. Dizem que os bons treinadores são os que chegam às vitórias. Não aqueles que se empenham em criar uma escola, uma vivência mais humana do desporto, em que os jogadores, mais que o objeto, são o centro da atividade.
Esta deve ser a primeira e a última razão de ser do desporto. E por esse facto, os treinadores são os garantes de um desporto novo. Um novo desporto, no futuro, renovado, mais à nossa dimensão, mais humano. Um novo desporto justificado não apenas pela transmissão de uma cultura, o seu desenvolvimento, a busca de resultados e o progresso, mas também, e sobretudo, por valores pedagógicos e morais. Os mesmos valores que estiveram no ato da criação do desporto que temos. Agora menos visíveis, a exigir reflexão…
Porque são os “treinadores do ano” escolhidos entre os mais bem sucedidos, os que obtêm resultados? E não entre aqueles que constituem modelos de referência, de responsabilidade pedagógica e moral? Porque é que o sucesso como treinador de jovens (os critérios que determinam a avaliação de competência) depende mais dos resultados obtidos no presente e menos do número de desportistas que ajudam a formar e que atingem os estágios mais avançados da preparação desportiva, no desporto de alto nível?
As crianças e os jovens, em vez de serem encorajados a fazerem o seu melhor e serem compensados por o terem feito, são excluídos por não terem capacidades para o imediato. São excluídos de participarem naquilo que mais gostam. E acabam por abdicar do que os faz estar no desporto, numa equipa. Como poder só treinar, sem jogar? Como poder jogar só para o resultado? Qual o interesse, o sentido, de um desporto como este (se é que de desporto se trata)?
A vitória é o importante, e só têm reconhecimento os que dela participam. Está tudo errado quando assim é. Se a isto juntarmos a interferência dos pais durante os treinos e jogos (que é por norma bem mais negativa que produtiva), é assim o tipo de competição que temos nestes escalões e que está a matá-los.
Não admira que os comportamentos destas crianças e destes jovens sejam desviantes e agressivos.
Não compliquem, deixem as crianças fazer aquilo de que eles gostam. Deixem-nas jogar!
Feliz Natal.

Vítor Santos
Embaixador do PNED

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Opinião: 'O futebol não é apenas um golo espetacular', por Vítor Santos

O futebol não é apenas um golo espetacular, uma finta excelente ou uma defesa sensacional de um guarda-redes. O futebol é também a participação do adepto, a inclusão da comunidade e o cheiro da relva ou de um pelado molhado. O futebol é muito mais do que a perceção que se tem do jogo.
Participar num jogo de futebol tem de ser sempre uma vivência fantástica para os intervenientes, quer estejam dentro ou fora das quatro linhas.
O futebol é muito mais do que se vê. É uma experiência que marca qualquer criança. Uma memória que transcende a imagem e que perdura no tempo. É esta magia que nos move na paixão pelo jogo. É esta magia que temos de preservar.
A Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência (APCVD) organizou em Viseu um notável Congresso que, para além de promover a segurança nos espetáculos desportivos, ressaltou a partilha de excelentes ideias e práticas que temos na hospitalidade. Foquemo-nos nesta. É de nos fazer pensar. Porque não sabemos nós o que de excelência temos?! Porque não existe jornalismo desportivo que faça reportagens sobre estes clubes, empresas, ações, etc.? Sobre este evento?!
O adepto esteve no centro de um painel em que foram debatidos casos práticos como o Ranking Puro Futebol - Liga 3 (FPF), Campanha de sensibilização “Sintam-se em casa”, Audiodescrição - relato inclusivo, entre outros.
O adepto de hoje quer uma experiência positiva. Não quer ir para um jogo conflituoso, perder um tempo interminável para estacionar, estar à chuva, não poder usufruir do bar por ser tudo muito vagaroso, etc., etc. E já existem respostas para estas situações que visam proporcionar ao adepto uma experiência feliz.
O Ranking Puro Futebol – Liga 3 (FPF) tem sido uma pedrada no charco. Cândido Costa é o embaixador desta liga e confessou-se apaixonado por ela. A verdade é que a Liga 3 parece uma ilha ali no meio das competições seniores.
O Caldas Sport Clube (CSC) é uma referência na arte de bem receber. Se, no distrito de Viseu, o Nespereira FC marca a diferença pela positiva e tem muito a ensinar a quem se diz grande, o CSC é já um marco no futebol nacional pela sua responsabilidade social e por se destacar ao longo da época desportiva nos valores do desportivismo, fairplay, respeito e paixão pelo jogo.
Orgulho é o que se vê nos olhos de quem veste as cores deste clube nas mais diversas funções.
A audiodescrição já existe em alguns jogos. A partilha do Pedro Lima, adepto invisual do F. C. Porto, foi especial. A energia do poder do desporto. A paixão pelo futebol. Estava lá tudo.
O Pedro mostrou-nos a sua força e a força do futebol. Muitos de nós não sabemos, nem queremos saber dos “Pedros”. Felizmente, hoje já existe audiodescrição em jogos e são estas vitórias que contam verdadeiramente.
E quanto à inclusão de adeptos com daltonismo? É verdade que já temos empresas a trabalhar com os clubes para proporcionar uma melhor leitura do espetáculo desportivo a adeptos daltónicos. Os casos de daltonismo não são raros. Em Portugal estima-se que 500 mil homens e 27 mil mulheres sofram dessa condição. Tê-los em conta é fazer com que o desporto e os seus valores sejam de todos e para todos.
Parabéns à APCVD por organizar este excelente congresso internacional em Viseu. Foi um evento em que se partilhou o que de melhor se faz. Um evento que valorizou o Desporto.

Vitor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto